Lula despista, mas já tem o discurso pronto até 2022

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O ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva em seu pronunciamento, após ter as condenações anuladas pelo Supremo, no Sindicato dos Metalurgicos do ABC. Foto: Alexandre Schneider/Getty Images

Na primeira aparição após a anulação de suas condenações na Justiça de Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva até despistou, quando questionado, sobre sua possível candidatura em 2022. Mas deixou claro, em diversos momentos da fala, de quase duas horas, que estará em campo —seja como articulador, seja como candidato.

Com a anulação das sentenças, determinada pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, Lula está elegível e poderia, hoje, disputar a eleição. E praticamente se escalou para o jogo ao comentar, num palanque literal, a reviravolta do seu caso na Justiça.

Aqui e ali, não foi difícil encontrar brechas no discurso de que ainda há muito a acontecer e muito a conversar até a corrida presidencial. Ao responder a uma pergunta sobre as razões do mercado para a queda da Bolsa e a alta do dólar após sua reabilitação no tabuleiro da sucessão, por exemplo, Lula devolveu a pergunta questionando do que o mercado tem medo. Em recado direto, disse que se os donos do dinheiro quiserem investir em coisas produtivas e ver a população consumindo, deveriam votar nele. Se querem a autonomia do Banco Central, a liberação de armas e a entrega da soberania nacional, deveriam realmente ter medo.

Ele ainda aproveitou a deixa para afirmar que quem está “comprando coisas” da Petrobras está correndo risco. “Vamos mudar muita coisa”, prometeu, como se já rabiscasse um novo velho programa de governo.

Lula dividiu sua fala em duas partes. Na primeira, foi à desforra contra o ex-juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato, da qual se declarou livre.

Também criticou a cobertura da grande imprensa, em especial da TV Globo, na época das denúncias. Disse ter sido condenado sem provas por um grupo disposto a impedir a sua candidatura e possível volta ao governo. E que a decisão de Fachin foi “gratificante” porque atendeu a uma reivindicação feita desde 2016: a de que seu caso nada tinha a ver com a Petrobras, alvo de investigação na 13ª Vara Federal de Curitiba, agora declarada incompetente para julgar o processo.

A decisão parece ter tirado o ex-presidente das cordas e vitaminado o discurso para 2022. Para ele, foi épico assistir no Jornal Nacional ao posicionamento dos ministros do STF Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski na véspera, quando votaram pela suspeição de Moro em seus processos. “Fiquei feliz com a verdade”, disse, repetindo os argumentos de um livro publicado pouco antes de sua prisão, em 2018.

Lula, que ainda pode ser condenado pela Justiça do Distrito Federal, para onde migrou o processo, disse estar tranquilo da sua absolvição e que vai seguir trabalhando para que fique provado que Moro, outrora herói, é “o maior mentiroso do Brasil”. “Hoje ele deve estar sofrendo muito mais do que eu sofri. Ele e o (procurador Deltan) Dallagnol. Eles sabem que cometeram um erro, e eu sabia que não tinha cometido”, disse Lula, para quem a operação causou mais estragos na economia com a asfixia das empresas do que com os desvios investigados. Era como se dissesse: havia um antes e um depois da Lava Jato. E esse antes era melhor.

A segunda parte da fala foi dedicada a Jair Bolsonaro, que não esconde o desejo de se reeleger. “Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente da República ou do seu ministro da Saúde”, disse Lula, ao conclamar os seguidores a tomarem a vacina. “A vacina é uma das coisas que pode livrar vocês da Covid. E, mesmo tomando, não pensem que podem tirar a camisa e ir pro boneco. Continuem fazendo o isolamento, utilizando máscara e álcool gel”, afirmou, emulando um discurso diametralmente oposto ao do atual presidente —e sem citar o governador João Doria (PSDB-SP), que também reivindica o posto de anti-Bolsonaro para 2022.

Lula disse que as mortes por coronavírus estão sendo naturalizadas e poderiam ser evitadas. Para ele, se Bolsonaro respeitasse o povo brasileiro, teria criado, em março do ano passado, um comitê de crise com ministros, secretários da Saúde e pesquisadores para orientar a sociedade sobre o que fazer. Em vez disso, criticou, “tínhamos um presidente que inventou uma tal de cloroquina, que falava que quem tem medo de Covid era maricas, que era gripezinha, que era coisa de covarde, que ele era ex-atleta e que, portanto, não ia pegar”.

Para Lula, Bolsonaro não se comportou com líder do mundo civilizado nem se preocupou em criar condições para evitar o colapso de localidades como Manaus. E aproveitou para afirmar que o atual presidente “nunca foi nada na vida” e só foi promovido a capitão do Exército porque se aposentou. “E se aposentou porque queria explodir o quartel. Nunca mais fez nada na vida. Ficou 32 anos na política, como vereador e deputado, e conseguiu passar para a sociedade a ideia de que não era político. Olha o poder da força do fanatismo. Através das fake news o mundo (sic) elegeu Donald Trump. Através das fake news o Brasil elegeu Bolsonaro.”

Como quem se coloca no jogo, disse que o Brasil não nasceu pra ser pequeno e que em seu tempo integrava o clube das seis maiores economias do Planeta, tinha um projeto de nação e era respeitado por grandes potências. Tudo isso, reiterou, mudou.

Defendeu o papel das empresas estatais na condução de investimentos e chamou Paulo Guedes, “que só pensa em vender”, de fanfarrão.

Em outro recado ao mercado, lembrou que teve como vice-presidente o empresário José Alencar, e ironizou a capacidade de Bolsonaro de ouvir a sociedade. Disse que ele só é capaz de dar ouvidos ao “Louro da Havan”, em referência ao empresário bolsonarista Luciano Hang.

Afirmou ainda que Bolsonaro está cercado de milicianos e que sua única proposta é a liberação de armas. “É possível governar diferente.”

Já com os dois pés na pista, disse que sempre teve boa relação com os militares, que pretende retomar as conversas com a classe política e com os empresários para entender “onde está a loucura deles”. “Não tenham medo de mim. Sou radical porque quero ir à raiz dos problemas do país”, disse, para em seguida reiterar que o PT ganhou ou ficou em segundo lugar em todas as eleições presidenciais desde a redemocratização com uma estratégia: radicalizando.

Mais candidato, impossível.

Fonte: Yahoo