Equipe do Ministério da Saúde fez ‘tour’ por 13 unidades básicas de saúde de Manaus pregando ‘tratamento precoce’

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© Reuters

Em meio ao colapso pela falta de oxigênio em Manaus, durante dois dias equipes do Ministério da Saúde fizeram um “tour” por 13 unidades básicas de saúde do município para falar sobre “tratamento precoce”. Segundo a Secretaria de Saúde de Manaus, o pedido de autorização para as visitas com propósito de “difundir a adoção do tratamento precoce como forma de diminuir o número de internações e óbitos decorrentes da Covid-19” foi feito pelo Ministério da Saúde no dia 7 de janeiro, mas não foi respondido oficialmente pelo órgão municipal. Ainda assim, em 11 e 12 de janeiro ocorreu a ronda pelas unidades de saúde de Manaus.

Na ocasião, membros da equipe do Ministério peregrinaram por unidades de todas as regiões do município falando com base no documento “orientações de conduta clínica e tratamento precoce para Covid-19”, que versa sobre “modelos de prescrição de medicamentos” sem citar quais. Mas em maio, uma diretriz do ministério informava que os medicamentos orientados pelo órgão para o “tratamento precoce” de pacientes com a doença eram a cloroquina e a hidroxicloroquina, além do antibiótico azitromicina. As drogas, no entanto, não têm eficácia comprovada contra a doença.

No documento utilizado, o ministério afirma que o objetivo das diretrizes era “informar, de forma simplificada e objetiva, sobre sugestões de condutas clínicas, conforme a gravidade e opções terapêuticas disponíveis no SUS para o tratamento precoce da Covid-19, com modelos de prescrição de medicamentos”.

Em resposta ao Ministério Público Federal (MPF) no âmbito do inquérito que investiga crime de improbidade na crise de Manaus e a opção por indicação de “tratamento precoce” com eficácia questionada, a Secretaria municipal de Manaus confirmou que as equipes do ministério estiveram nas unidades para conversar com profissionais de saúde:

“Em relação a (sic) possível indicação de medicação, a visita foi revertida em conversa com os profissionais médicos/enfermeiros presente (sic) às unidades no momento da visita, e apresentação das orientações de conduta clínica e tratamento precoce para Covid-19, constante no Anexo 01”, respondeu a secretaria ao MPF, mencionando o documento descrito acima pela reportagem.

Questionados sobre a utilização de cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina para tratamento de Covid-19 e se o protocolo municipal inclui “tratamento precoce”, a secretaria de Manaus informou ao Ministério Público que “não dispõem de um protocolo municipal de manuseio medicamentoso precoce para pacientes com diagnóstico de Covid-19.”

A secretaria diz ainda que a prescrição de medicamentos é um “ato médico” e que o Conselho Federal de Medicina (CFM) deixou a prescrição de cloroquina e hidroxicloroquina a critério dos profissionais de saúde em decisão compartilhada com o paciente. O órgão municipal, no entanto, tem uma lista de medicamentos que podem ser prescritos para Covid-19, que inclui hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina.

Em janeiro veio a público um ofício assinado pela secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, pressionando a Secretaria de Saúde de Manaus a utilizar precocemente medicações antivirais orientadas pela pasta para o tratamento da Covid-19. O ato fez com que o Ministério Público passasse a investigar o caso. Mayra é conhecida nos corredores do Ministério da Saúde como “Capitã Cloroquina”.

Em janeiro, quando integrou a comitiva da pasta rumo a Manaus, a secretária estava animada com o lançamento do aplicativo TrateCov, que tinha a intenção de “auxiliar” profissionais de saúde no diagnóstico da Covid-19. Mayra tratava o aplicativo como uma grande ajuda no combate à pandemia e dizia a interlocutores que médicos não sabiam fazer o diagnóstico da doença, e por isso era necessário o serviço oferecido on-line.

Após o preenchimento de informações básicas sobre sintomas e dados pessoais, a plataforma recomendou, até para bebês, “iniciar tratamento precoce” com um comprimido de cloroquina de 12 em 12 horas no primeiro dia e depois uma pílula por dia até completar um ciclo de cinco dias. Após denúncias, o aplicativo foi retirado do ar. O Ministério da Saúde chegou a afirmar que hackers tinham entrado no sistema e ativado a plataforma indevidamente, embora o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e Mayra Pinheiro tivessem anunciado a ferramenta em Manaus.

O GLOBO questionou o Ministério da Saúde sobre o tour pelas unidades básicas de saúde e a recomendação de tratamento precoce, mas não recebeu resposta até o fechamento desta reportagem.

Fonte: Yahoo